13 de setembro de 2012

E no princípio era o Minimalismo


Antes que este post dê a impresssão errada, eu  não sou minimalista. Tenho a casa cheia de tralha e ainda faço a mala com 4 pares de calças extra para dois dias porque "nunca se sabe quando posso precisar delas". Tenho uma estante com cds que fui comprando ao longo dos quatro anos que vivi em Berlim e que compõem uma espécie de banda sonora dos meus tempos de imigrante, mas que já raramente oiço, e livros que não voltei a ler segunda vez, mas dos quais não me consigo desfazer.
No entanto, o facto de já ter mudado de país duas vezes e de casa umas dez mil ajuda a ter percebido que, quanto menos coisas tivermos de embalar e desembalar, menos chato é mudar de casa. Ajudou o facto de, quando voltei de Berlim, não ter podido trazer no avião a minha casa e ter tido de me desfazer de praticamente tudo antes de embarcar, menos dos cds e de alguns livros, que fui despachando por HDL e dos quais hoje me arrependo de não ter vendido por lá, num país onde havia leitores para eles. Convenhamos que agora que, cinco anos depois, percebi que não os vou voltar a ler, é-me muito mais difícil vender (ou mesmo dar, que já estou por tudo!) livros em alemão numa terra de portugueses.

Já há algum tempo que me tenho vindo a identificar com algumas premissas do minimalismo e a concluir que as coisas só nos atrasam e nos prendem ao passado. Dito assim, parece um bocado redutor. Mas quem nunca ouviu desculpas como "Então e as minhas coisas?" quando o tema é mudar de vida? Ao ver a minha filha a crescer de dia para dia e a afastar-se cada vez mais do conceito de bebé, percebo que de nada nos vale apegarmo-nos ao passado, a fotografias penduradas na parede ou a caixas cheias de diários escritos por uma adolescente demasiado chateada com a vida para conseguir retirar dela algo positivo e cujas páginas repletas de raiva não me apetece mesmo nada reler. Relembro o minimalista Joshua Fields Millburn que atribui ao desapego uma sensação libertadora e que diz que as memórias não estão em caixas ou armazenadas debaixo da cama, mas dentro de nós.

Comecei por me ir livrando de roupa e livros que já não quero. Adoptei a máxima de me livrar de uma mala velha sempre que comprar uma nova, o mesmo para sapatos ou roupa. Vou destralhando o que posso a título imediato, como papéis velhos, embalagens deformadas, lápis de cera partidos, you name it.
Mas quando os meus pais me pediram para esvaziar aquele que foi o meu quarto, porque precisavam do espaço, e me deparei com livros que podiam encher uma biblioteca trilingue, entrei em pânico. Não só não tenho espaço para eles na minha casa, como nem sequer os quero guardar. Fiz uma selecção dos que (ainda) têm algum valor sentimental para mim, ou por estarem autografados ou por ter gostado tanto da história que gosto de me iludir com a ideia de que os vou ler segunda vez, e pus todos os outros em caixas para os vender aqui já este sábado.

Quando a amiga que vai vender comigo viu alguns dos livros que vou pôr à venda e me perguntou, meio horrorizada, "mas como é que és capaz de te livrar destes livros?", perguntei-lhe se ela os tinha voltado a ler (falávamos de livros de ficção de leitura obrigatória no secundário). A resposta foi não, tal como eu, nunca os tinha voltado a ler e provavelmente nunca os iria voltar a ler. Mas é só a ideia de possuir algo que fez parte da nossa vida e que acarreta tantas memórias que nos impede de nos desfazermos das coisas. Mas não creio que as memórias do secundário se desvaneçam quando me livrar daqueles livros. As memórias estão dentro de nós, não nas coisas. E, lição retirada dos meus tempos em Berlim, aquilo que não vemos não nos faz falta. Se não acreditam, experimentem guardar os livros do secundário debaixo da cama durante um mês e depois façam contas às vezes que precisaram deles ou foram folhear as páginas só para recordar. Ah, os livros estão no sótão há 15 anos? Ora, aí têm.

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